terça-feira, 14 de janeiro de 2014

O poema não escrito

Eu quis escrever um poema
da solidão de minha alcova, 
naquela noite fria.
Tomei a pena da galhofa 
e a tinta da melancolia.
E me pus a pensar em trovas, 
me pus a pensar em versos,
em sonetos, rimas, estrofes 
e em alguns temas controversos.
Em tudo que me faria, 
naquela noite vadia,
confessar em um poema 
os meus dilemas diversos.  

Eu quis escrever um poema
que iludisse minha tristeza
naquela noite solitária,
que tivesse a sutileza 
de uma brisa temporária.
Tanto quanto a fortaleza 
de uma prosa libertária.
Um poema visionário, 
que fizesse ser ouvido
o meu grito temerário
em tantos versos reprimido,
versos nunca declamados, 
em sussurros proferidos,
em segredo assim guardados 
ou lançados ao infinito.

Eu quis escrever um poema,
meu poema nasceria
da ponta da minha pena
naqueles dias de agonia.
Não tinha certeza plena
para quem eu escreveria,
que bandeira, causa ou emblema,
meu poema encamparia.
Escreveria por vingança?
Escreveria por cansaço?
Por um arroubo de esperança
a consolar nosso fracasso?
Talvez à guisa de protesto,
tantas vezes necessário,
assim o poema seria escrito
como um gesto solidário.
Como um fugidio grito
do meu peito libertário.

Me inspirava na noite dali
para domar os versos esquivos
que queriam de mim fugir.
  
Mas a noite queria partir
e perder-se nas cores vivas
da aurora que eu via florir.

E assim diante de mim,
frustravam-se as tentativas
do meu poema surgir. 
  
Pois a noite se foi de repente,
sumindo no céu infinito,
deixando para mim simplesmente
um poema não escrito.

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