segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

O Vietnã e o Nobel de Kissinger

Há 41 anos o exército dos EUA era derrotado no Vietnã. Mesmo vencidos e obrigados a se retirarem daquele país não deixaram barato, é claro, e como temos testemunhado estarrecidos nos últimos 60 anos, honraram ali sua detestável tradição de invadir saquear e arruinar países inteiros em nome da "liberdade e democracia" , como ainda vêm fazendo por aí (Iraque, Afeganistão, Líbia etc que o digam) e, pior que isso, eventualmente faturando um prêmio nobel da paz em meio a barbárie praticada.
Conseguiram! O laureado da ocasião foi o canalha do Henry Kissinger, então secretário de Estado do governo Nixon, por negociar o fim daquela insanidade criada por eles mesmos, num momento em que estouravam protestos nos EUA pelo fim da guerra. Isso mesmo, o cara ganhou um nobel da paz por sair do vespeiro que eles mesmos produziram! Não são engraçados demais esses donos do mundo? O líder vietnamita Lê Đức Thọ que encabeçava as negociações do lado de lá, não aceitou participar do circo de hipocrisia do comitê nobel e recusou o prêmio que receberia na desagradável companhia de Kissinger. Obrigado, Lê Đức Thọ! O senhor nos mostrou que a dignidade que andava por aí tão combalida e trôpega ainda não havia morrido e poderia, sim, um dia ser restabelecida.

Ironicamente, poucos trabalharam de forma tão árdua e diligente contra a paz na nossa América Latina quanto esse cidadão chamado Henry Kissinger. Um dos grandes serviços prestados por ele contra a paz em nossa região, no mesmo ano em que recebeu o maldito prêmio, foi a meticulosa articulação do sangrento golpe militar no Chile, após haver dito um dos maiores impropérios de lesa-dignidade que se ouviu nesse nosso subcontinente tão sofrido, e que me faz por um momento desejar que o inferno realmente exista: "Eu não vejo porque nós precisamos nos estancar e olhar um país se tornar comunista devido à irresponsabilidade de seu próprio povo". A "irresponsabilidade" dos chilenos ao qual ele se referia era o imperdoável  atrevimento de haverem eleito democraticamente o presidente socialista Salvador Allende. Qual foi a solução de Kissinger para o terrível impasse de um povo escolher soberanamente seu mandatário? Pôr em seu lugar um dos homens mais sanguinários que o século XX produziu (e olha que não foram poucos!), de nome Augusto Pinochet. Fato que inaugurou naquele país um período de trevas e atrocidades inomináveis. Isso se deu naquele fatídico 11 de setembro de 1973, o dia em que o presidente eleito pelo povo foi morto, entrincheirado em seu palácio presidencial, sob o férreo cerco de golpistas ensandecidos que realizavam ali o secreto e desumano sonho de um homem que, meses depois, seria laureado com o prêmio nobel da paz.

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

O poema não escrito

Eu quis escrever um poema
da solidão de minha alcova, 
naquela noite fria.
Tomei a pena da galhofa 
e a tinta da melancolia.
E me pus a pensar em trovas, 
me pus a pensar em versos,
em sonetos, rimas, estrofes 
e em alguns temas controversos.
Em tudo que me faria, 
naquela noite vadia,
confessar em um poema 
os meus dilemas diversos.  

Eu quis escrever um poema
que iludisse minha tristeza
naquela noite solitária,
que tivesse a sutileza 
de uma brisa temporária.
Tanto quanto a fortaleza 
de uma prosa libertária.
Um poema visionário, 
que fizesse ser ouvido
o meu grito temerário
em tantos versos reprimido,
versos nunca declamados, 
em sussurros proferidos,
em segredo assim guardados 
ou lançados ao infinito.

Eu quis escrever um poema,
meu poema nasceria
da ponta da minha pena
naqueles dias de agonia.
Não tinha certeza plena
para quem eu escreveria,
que bandeira, causa ou emblema,
meu poema encamparia.
Escreveria por vingança?
Escreveria por cansaço?
Por um arroubo de esperança
a consolar nosso fracasso?
Talvez à guisa de protesto,
tantas vezes necessário,
assim o poema seria escrito
como um gesto solidário.
Como um fugidio grito
do meu peito libertário.

Me inspirava na noite dali
para domar os versos esquivos
que queriam de mim fugir.
  
Mas a noite queria partir
e perder-se nas cores vivas
da aurora que eu via florir.

E assim diante de mim,
frustravam-se as tentativas
do meu poema surgir. 
  
Pois a noite se foi de repente,
sumindo no céu infinito,
deixando para mim simplesmente
um poema não escrito.